Pequena parte do conto que preparei exclusivamente para o livro.

Chegou atrasado.
O corpo já havia sido velado. Caixão discreto, barato, parecendo um grande caixote longo. A coroa que enviara com flores do campo era a única acompanhando aquela urna.
Poucas pessoas, todos comovidos, alguns inconsoláveis. Logo imaginou tratar-se dos filhos, fulanos lacrimosos, incluindo uma miúda desesperada, que não se importando com os que estavam ao lado, fazia surgir gritos desesperados.
O patrão atrasara sua chegada, pois estava a trabalho em outras vizinhanças. Acreditava que precisava despedir-se da doméstica que trabalhara para sua família sem nunca ter perdido um dia sequer do trabalho, isso por 25 anos. Olhos fitados na urna em que familiares e poucos conhecidos aglomeravam a fim de carregá-la até o sepulcro.
A defunta Maria teria passado por muitas coisas antes de falecer.
Nascera no agreste pernambucano, onde cresceu cercada de miséria e já na adolescência havia ajudado a enterrar dois irmãos que morreram desnutridos. Magrela e cabelos ao vento acreditava que uma vida melhor a esperava fora daquele lugar, enquanto ajudava seu avô na pequena plantação de feijão para com sorte colher algo.
Sentia que era diferente quando na matina escutava o galo soluçar, sonhava com algo maior, uma vista mais aconchegante com algum vintém para gastar. Difícil era levantar-se calçando sandálias de borracha pisando em um chão de terra batida, para mais um dia transportar latas na cabeça, a fim de preparar o café da manhã, também utilizando para beber. Colecionava revistas velhas onde podia descobrir um mundo diferente, algo que jamais vira em sua biografia.
Ave Maria, cheia de graça, o senhor é convosco, bendita sois Vós entre as mulheres. Apenas quatro velas a volta de seu urna. Seu cônjuge sempre ao lado do caixão, pouco expressava o que sentia, ficando bastante quieto sem olhar para os lados, igualmente não articulava com nenhuma pessoa. Cheirava a conhaque e os cochichos entre as beatas, que em vida jamais se relacionara com a defunta, arrazoavam sobre isso. Diziam ainda que o terceiro e quarto filho não eram do esposo, já que em seus amanheceres, quase sempre assistia o raiar do dia caído em alguma calçada embriagado, sua esposa aproveitava para receber homens em sua casa.
Josimar é um baiano arretado, que conhecera Maria na cidade grande. Barracos ao lado, encontraram-se algumas vezes pelas vielas e dizem ter sido amor à primeira vista. Quando a amada engravidou do primeiro filho, juntaram os trapos, com trocas de alianças e juras de amor em frente a um caboclo que exalava fumaça de charuto e balançava a cabeça em sinal de aprovação.
Bendita sois Vós entre as mulheres, bendito é o fruto em Vosso ventre, Jesus. Mas no agreste o sol do meio-dia chegava criando coágulos na pele manchada de Maria, logo bastante experimentada pelo ardor do dia. Não tinha pai, pois algum fulano que chegara com ajuda de mantimentos na localidade, vindo ninguém sabe de onde, engravidara sua mãe que ainda teve outros sete filhos.
Seu avô era homem bastante sério e duro, quieto não falava com ninguém da família, já que julgava ter tido sua honra manchada pela filha e também a esposa que defendia sua cria, assim a mãe de Maria seguia sua existência, entre apagar incêndios de seu homem bruto, até proteger e criar seus netos que fazia sua vida tornar-se melhor.
A jovem Maria que na época estava com quinze anos, gostava de receber presentes em troca de alguns favores sexuais, que os velhos da vizinhança lhe ofereciam. Algumas bijuterias e uma vez até mesmo um vestido novo. Seu destino foi mudado quando em uma noite clarinha, com Lua cheia, seu avô que dormia muito cedo, acorda com sussurros de gemido próximo a sua janela. Não enxergava bem a porteira de onde acreditava vir o som dos murmúrios que alguém produzia. Sua esposa não estava ao seu lado, então logo acreditou que poderia tratar-se dela, levantou-se no crepúsculo, pegou sua espingarda dirigindo-se para porteira, mas quando chegou lá, caiu ajoelhado aos prantos. Sua neta havia parido ali mesmo com a ajuda de sua esposa, que tentara chegar até uma parteira que ficava um tanto mais longe do lugar.
Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós os pecadores, agora e na hora da nossa morte. Todos se dirigiam até o cemitério em cortejo fúnebre, carregando o corpo daquela senhora em passos lentos, parecendo que deveria demorar de alguma forma para acabar o tormento. Seu patrão resolveu seguir, mas o fazia mantendo um sensato distanciamento, apenas observando. A menina seguia chorando copiosamente atrás do caixão. As beatas hora rezando, tempos arrazoando entre si. O loirinho poderia ser seu filho pensava. Não o terceiro, jamais, pois era muito escurinho.
A doméstica que trabalhara para o homem e sua família por tantos anos mantinha um relacionamento que durava tempos nos corredores da casa, oferecendo-lhe gratuitamente seu corpo aos seus desejos e devaneios que nutria por aquela mulata. Aborto por duas vezes sentiu-se na obrigação de fazer por aquela mulher que insistia permanecer em seus pensamentos libertinos. A mulata cheia de curvas se entrelaçava com o amante sempre quando esse queria satisfazer seus desejos carnais, sem nunca haver negado.

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